Trabalho Social e Desenvolvimento Comunitário em Habitação no Brasil – Uma História

Esse artigo traça o percurso do Trabalho Social, enquanto componente de políticas públicas de habitação e desenvolvimento urbano, desde o seu surgimento, nos anos 70, até 2021, destacando os principais programas federais de provisão habitacional. Ao percorrer essa trajetória, buscamos identificar os principais marcos e contribuições do passado, situando o lugar presente do Trabalho Social.

Qual Trabalho Social?

O Trabalho Social (TS) é componente obrigatório de diversos programas de habitação e de desenvolvimento urbano do Governo Federal. A Portaria 464/2018 do Ministério das Cidades, que normatiza atualmente o TS em programas federais, define nos seguintes termos esse componente: “um conjunto de estratégias, processos e ações…” que visa “promover o exercício da participação e a inserção social dessas famílias, em articulação com as demais políticas públicas, contribuindo para a melhoria da sua qualidade de vida e para a sustentabilidade dos bens, equipamentos e serviços implantados”.

Para elaborar os projetos e executar as ações do TS, essa portaria exige que o ente executor disponibilize equipe multidisciplinar com experiência em projetos sociais de habitação de baixa renda ou saneamento. Exige também que o responsável técnico pelo projeto, além de experiência, possua graduação em curso de nível superior, preferencialmente em Serviço Social ou Sociologia.

Desenvolvimento Comunitário – BNH

Conforme Taboada e Paz (2010), o Trabalho Social em programas de habitação surgiu no Brasil dentro da Política Nacional de Habitação e Saneamento (PNSH) executada pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) a partir de 1968. Dentre os programas habitacionais operados pelo BNH, havia um cuja contratação dos projetos era feita por cooperativas. Nesse programa eram previstas ações chamadas de “Desenvolvimento Comunitário”, mas não havia naquele banco uma estrutura suficiente de profissionais capacitados na área social nem orientações específicas. Em 1972, a partir do 1º Encontro dos Institutos de Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP), o BNH passou a estruturar equipes e definir metodologia, criando em janeiro de 1975 o Subprograma de Desenvolvimento Comunitário (SUDEC), que estruturou o Desenvolvimento Comunitário em vários programas do BNH em todo o país, como nos Programas das Cooperativas Habitacionais e das Companhias de Habitação, no Programa de Erradicação da Sub-Habitação (PROMORAR), no programa autoconstrução de moradias “João de Barro”, no Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados (PROFILURB) e no Programa de Saneamento para População de Baixa Renda (PROSANEAR).

Em 1986 o Governo Sarney decide extinguir o BNH, transferindo todo o seu patrimônio, contratos vigentes, compromissos e o seu pessoal para a CAIXA. A CAIXA transformou-se então no maior agente de desenvolvimento social da América Latina, administrando o FGTS e tornando-se o principal agente executor das políticas de desenvolvimento urbano, habitação, saneamento e infraestrutura do Estado Brasileiro. (METTENHEIM, 2010; AZEVEDO, 2007).

Os contratos de repasse para execução dos projetos de Desenvolvimento Comunitário contratados pelo BNH foram assumidos pela CAIXA, que passou a fazer a gestão desses contratos com seus escritórios regionais, como contratada da Secretaria Federal responsável pela gestão dos programas habitacionais. 

O início do Trabalho Social – CAIXA

Em 1992 houve o lançamento do Programa de Saneamento Integrado – PROSANEAR BIRD-CEF, com recursos do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Esse programa previa repasses de recursos para obras de saneamento que beneficiaram famílias de baixa renda e exigia a participação social como condição para o sucesso da intervenção. Para atender à exigência do BIRD, o Conselho Curador do FGTS (CCFGTS) aprovou na Resolução 182 de 05/06/1995 a destinação de recursos para o Trabalho Social nos contratos do programa e determinou que a CAIXA disponibilizasse equipe própria, composta por profissionais de nível superior com habilitações específicas e comprovada experiência em Projetos de Mobilização e Participação Comunitária para aprovar os projetos e acompanhar a execução.

A partir de 1999, influenciado pelas diretrizes do Programa Habitar Brasil-BID (HBB), que contou com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o desenvolvimento do trabalho social passou a ser uma exigência nos programas com recursos advindos do Orçamento Geral da União. O HBB trouxe a inovação do governo federal incluir recursos para execução do trabalho social nos custos do empreendimento a ser contratado, sendo que parte destes recursos era a fundo perdido, ou seja, a custo zero, para os municípios e estados.

A experiência de execução de projetos integrados (intervenções físicas e sociais concomitantes), adquirida com a contratação e desenvolvimento do Programa Habitar Brasil-BID, reforçou o reconhecimento da importância desse trabalho, demonstrando a eficácia de projetos integrados em comparação ao modelo de trabalho anterior, onde essa integração não era exigida. Isso levou o Ministério das Cidades a incluir o Trabalho Social na Política Nacional de Habitação e estender essa exigência para os Programas de Saneamento Ambiental Integrado, a partir do advento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007.

Trabalho Social no PAR – Programa de Arrendamento Residencial

No Programa de Arrendamento Residencial (PAR), lançado pelo Governo Federal em 1999, a CAIXA configurou como gestora e implementadora de todo o programa.

O Trabalho Social era elaborado e executado por empresas habilitadas e credenciadas da CAIXA e contava com recursos correspondentes a 1% do valor de aquisição das unidades. As ações do Trabalho Social ocorriam desde o período de seleção dos beneficiários e duravam no mínimo por 3 meses após a ocupação dos imóveis.

No PAR, a CAIXA firmava convênios com os municípios e abria inscrição para que construtoras apresentassem projetos. Além da construção de novos empreendimentos, diversos projetos que incluíam a reforma de edifícios foram viabilizados por esse programa. Em nome do FAR, a CAIXA comprava o terreno e firmava contrato com a construtora para a construção de unidades habitacionais que atendessem aos requisitos definidos pelo Governo Federal. Quando os imóveis ficavam prontos, a Caixa solicitava à Prefeitura a indicação de candidatos ao arrendamento, que passavam por uma análise de crédito. O gerenciamento dos pagamentos dos arrendamentos, assim como as manutenções físicas dos imóveis eram feitas por empresas administradoras, contratadas pela CAIXA. No caso de inadimplência da taxa de arrendamento, ou da taxa de manutenção do condomínio, o contrato poderia ser distratado e o imóvel reintegrado pela Caixa.

O Trabalho Social no MCMV

Lançado em 2009, o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) contratou, em 10 anos de vigência, a produção de mais de 5 milhões de unidades habitacionais. Toda a produção do Programa foi voltada para a compra pelos beneficiários. Para as famílias do estrato de renda mais baixo, a chamada Faixa 1, foram concedidos subsídios que podiam chegar a até 96% do custo das unidades habitacionais, permitindo que as famílias pagassem prestações fixas, correspondentes a um percentual de sua renda (não superior a 15%), durante dez anos.

Até 2014, haviam sido contratadas 1,7 milhão de unidades habitacionais destinadas à Faixa 1. Dentre essas, 87% haviam sido financiadas pelo Fundo de Arrendamento Residenciais (com proponentes empresas e municípios) e 13% pelo Fundo de Desenvolvimento Social (proponentes entidades urbanas e rurais).

Na etapa 1 do PMCMV (de 2009 até 2011), o Trabalho Social era executado pela Caixa com recursos correspondentes a 0,5% do valor dos empreendimentos. Profissionais e empresas especializadas foram credenciados pela CAIXA para a elaboração e execução de projetos.

Primeira orientação para o Trabalho Social no MCMV

A Portaria do Ministério das Cidades que primeiro orientou a implementação do TS no MCMV foi a de nº 93, de 24 de fevereiro de 2010. Segundo essa portaria o “Trabalho Técnico Social”, como era chamado o TS, era entendido como: “Um conjunto de ações voltadas para o exercício da participação cidadã, visando promover a melhoria de qualidade de vida das famílias beneficiadas e a sustentabilidade dos empreendimentos” (BRASIL, 2010).

Vale destacar que a normatização do Trabalho Social era uma parte dessa portaria, cujo objetivo era dispor sobre “a aquisição e alienação de imóveis sem prévio arrendamento no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial – PAR e do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV”. O TS era uma das oito diretrizes dadas nessa portaria, notadamente a última diretriz a ser escrita. E o conteúdo relacionado ao TS foi o seguinte:

8. TRABALHO TÉCNICO SOCIAL

O trabalho técnico social terá como objetivo viabilizar o exercício da participação cidadã, mediante trabalho informativo e educativo, que favoreça a organização da população, a educação sanitária e ambiental e a gestão comunitária, visando promover a melhoria da qualidade de vida das famílias beneficiadas.

8.1 O trabalho técnico social será implementado de acordo com as seguintes diretrizes:

a) divulgação de informações sobre o Programa;

b) estímulo à organização comunitária visando à autonomia na gestão democrática dos processos implantados;

c) discussão, planejamento e implantação de gestão condominial; e

d) disseminação de conceitos de educação patrimonial e educação ambiental, que internalizados pelos beneficiários favorecem a correta ocupação e manutenção dos imóveis e dos espaços comuns.

8.2. Os recursos oriundos do FAR para execução do trabalho técnico social estão limitados à 0,5% sobre o somatório dos custos do terreno e edificações, urbanização, infraestrutura interna, inclusive BDI, de cada empreendimento. (BRASIL, 2010).

A Evolução das Normas do Trabalho Social em Habitação

Com a publicação em 7 de Julho de 2011 da Portaria nº 325 a execução do TS passou a ser de responsabilidade exclusiva dos entes públicos. Cabia à Caixa a análise dos projetos e o repasse de recursos para a execução das ações aprovadas. Os recursos para o TS passaram a ser de 1,5% do valor de construção do empreendimento, mais 0,5%, no caso de condomínios. Ficou estabelecido o início das ações do TS para 90 dias antes do término das obras, no mais tardar. E as diretrizes, conteúdos e prazos foram incrementados.

Depois dessa portaria, foram publicadas as portarias nº 465 de 03 de outubro de 2011 e a nº 168 de 2013, cada uma revogando a anterior, mas sem alterações na parte referente ao TS (em todas essas portarias o TS constou como “Anexo V”).

A Portaria 21/2014 foi a primeira a orientar o TS nos programas do Ministério das Cidades numa normativa específica. Esta Portaria reuniu em um único estatuto o Trabalho Social nas intervenções de saneamento e habitação inseridas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no PMCMV-FAR e PCMV-Entidades (Urbanas e Rurais), cada programa com orientações em um capítulo diferente (BRASIL, 2014).

Enquanto vigorou a Portaria 21/2014, os entes públicos eram os únicos responsáveis pelo planejamento e execução dos Projetos de Trabalho Social no PMCMV- FAR e no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – além de serem também responsáveis pela seleção das famílias e por fornecer os serviços públicos necessários ao novo empreendimento. Caso o município não executasse o TS, seja por dificuldade de contratar empresas, por ausência de pessoal próprio ou outro motivo, as ações necessárias elencadas na portaria normativa simplesmente não aconteciam.

No caso do PAC, como a execução dos projetos de Trabalho Social acontecia concomitante à execução do projeto das obras, caso um deles não andasse, o outro também não recebia recursos do programa. Dessa forma, praticamente não havia obra sem a devida execução de Trabalho Social. Da mesma forma acontecia no PMCMV-Entidades, no qual a execução da obra e do TS, eram de responsabilidade das entidades. Mas no PMCMV-FAR a obra era contratada e executada por uma empresa construtora e sua execução independia das ações do município, seja o Trabalho Social, a indicação dos beneficiários ou o fornecimento de equipamentos públicos.

Em 2016, era alto o índice de não realização do TS pelos municípios no PMCMV-FAR. Naquele ano, de todos os empreendimentos contratados que, pelos prazos normativos, já deveriam ter projetos aprovados e convênios assinados entre municípios e a CAIXA, 47% deles simplesmente não tinham nem uma coisa nem outra (MAGALHÃES, 2016).

2018: A CAIXA é chamada novamente para executar projetos de TS

Com a Lei nº 13.590, de 4 de janeiro de 2018, a CAIXA foi então incluída novamente como responsável pelo TS, juntamente com os entes públicos locais (BRASIL, 2018a). A Portaria 468/2018 do Ministério das Cidades, em seu Anexo III, orientou a assunção do TS pela Caixa nos empreendimentos da Faixa 1 do PMCMV-FAR (BRASIL, 2018b).

Para planejar e executar o Trabalho Social, a CAIXA contrata empresas especializadas e, por meio de seus Assistentes de Projetos Sociais e Técnicos Sociais, orienta e acompanha o trabalho, aproveitando sua capilaridade e sua expertise institucional, técnica e operacional.

Em 2021 o PMCMV foi sucedido pelo Programa Casa Verde e Amarela (PCVA). O novo programa definiu a meta de construção de 200 mil unidades habitacionais para a Faixa 1. Até o momento, o Trabalho Social é regido pela portaria 464/2018.

Leia também:

Por que prefeituras não executam o trabalho social no MCMV-FAR?

Como melhorar a portaria do trabalho social do MCMV

Referências

AZEVEDO S. Desafios da Habitação Popular no Brasil: políticas recentes e tendências. Coleção Habitare – Habitação Social nas Metrópoles Brasileiras – Uma avaliação das políticas habitacionais em Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo no final do século XX. Porto Alegre. ANTAC, 2007

BURGOS, A. L. A.; BRITTO, P. S.; CARON, R. K. S. O Desenvolvimento Urbano e o Trabalho Técnico Social na CAIXA. CAIXA – SUPES/SUDUP. 2006.

BRASIL. Lei nº 13.590, de 4 de janeiro de 2018b.

BRASIL, Ministério das Cidades. Instrução Normativa Nº 8 de março de 2009.

_______, Ministério das Cidades. Portaria Nº 93, de 24 de fevereiro de 2010.

_______, Ministério das Cidades. Portaria Nº 325 de 7 de julho de 2011.

_______, Ministério das Cidades. Portaria Nº 518, de 8 de novembro de 2013.

_______, Ministério das Cidades. Portaria Nº 21, de 22 de janeiro de 2014.

_______, Ministério das Cidades. Portaria nº 464, de 25 de julho de 2018a.

METTENHEIM, K. E. Federal Banking in Brazil. Policies and Competitive Advantages. London. Pickering & Chatto, 2010

MINEIRO, E; RODRIGUES, E. Do Crédito Solidário ao MCMV Entidades: uma história em construção. In: LAGO, Luciana Corrêa do. Autogestão habitacional no Brasil: utopias e contradições. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012.

MOTTA, M. L. A.; OLIVEIRA, V. C.; CRISÓSTOMO, L. T.; SILVEIRA, C. Big Push para o desenvolvimento de territórios vulneráveis no Brasil: Caso metodologia DIST (Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Território). Santiago: CEPAL, 2020. Disponível em: < https://archivo.cepal.org/pdfs/bigpushambiental/Caso33-CasoMetodologiaDIST.pdf&gt;. Acesso em 03 jun 2021.

SILVA, G. J. P. Contribuições para a Habitação Social: Uma Análise de Implementação do Trabalho Social no Programa Minha Casa Minha Vida-FAR. Dissertação de Mestrado – Fundação Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo. São Paulo, 2017

TABOADA, K. J.; PAZ, R.O. de. Política Nacional de Habitação, Intersetorialidade e Integração de Políticas Públicas. In: BRASIL. Ministério das Cidades. Trabalho Social em Programas e Projetos de Habitação de Interesse Social. Brasília: EAD, 2010.

Comments

Deixe um comentário

Design a site like this with WordPress.com
Iniciar